quarta-feira, 25 de novembro de 2015
Uma análise de Batman: O Cavaleiro das Trevas
Há dois pontos que considero fundamentais na mini-série Batman: o cavaleiro das trevasde Frank Miller - que está completando quinze anos de seu lançamento no Brasil. O primeiro diz respeito ao próprio Homem-Morcego e o segundo a outra peça-chave da trama, o Super-Homem. Para muitos, Frank Miller foi o primeiro a apresentar um Batmanangustiado e amargurado por crises existenciais, ao passo que retratou o Homem de Aço como um covarde puxa-saco dos poderosos. Esta aí algo de que eu não poderia discordar mais.
Dizer que Frank Miller foi o primeiro a introduzir, no mito do herói criado por Bill Finger eBob Kane, o drama dos conflitos psicológicos, é um equívoco que só quem não conhece a personagem pode cometer. Miller não teve esse mérito, simplesmente porque chegou tarde. Dezesseis anos antes, a reformulação encabeçada por Denny O’Neil, Dick Giordano, Neal Adams e Jim Aparo, levou a deprê à Batcaverna, acrescentando ao mito um arsenal de angústias e tormentos bem ao estilo Marvel.
Mas o equívoco não para aí. Miller jamais retratou o Cruzado de Capa remoído por angústias dramáticas, sentimentos de culpa e conflitos emocionais. Ao contrário, sempre achou meio ridícula essa coisa da personagem questionar o que faz. Para ele, um herói é uma força elemental, um ser mítico que não vive pedindo desculpas por ser como é. Nós, reles mortais, é que padecemos disso.
Levar conflitos emocionais a super-heróis é uma faca de dois gumes. Quando feito com moderação, produz resultados interessantes. É o caso das primeiras aventuras do Aranha ou do Thor de Jack Kirby. No entanto, rapidamente, torna-se redundante e patético. Vide a agonia mensal e obrigatória dos mutantes da Marvel. Até alguns anos atrás, só o X-Factor escapava desse tormento. Bastou Peter David deixar o título para humor e a ação serem postos de lado pelo dramalhão a la novela das oito.
Pouco antes do furacão O cavaleiro das trevas, Batman vinha amargando uma das suas fases mais lacrimogêneas. Carregando nas tintas, Doug Moench tentava ressaltar o “lado humano” do herói. Isso elevou insuportavelmente o teor de psicologia de botequim nas revistas.
A mexicanização da narrativa é uma muleta muito sedutora pro roteirista, ainda que haja o risco de transformar uma aventura num tratado de emoções humanas. E o que é pior... escrito por gente não qualificada. Exemplos dessa “técnica” são os dois primeiros filmes do Batman - porres homéricos de obviedades psicologizantes - e a excrescência que foi a Queda do Morcego.
Miller poupou seu Batman dessa aporrinhação. Na mini-série, o protagonista não tem conflitos emocionais - se tem, não demonstra -, não é amargurado por dúvidas existenciais ou angústia atrozes. Em suma, não se sente culpado pelo que faz. Muito pelo contrário. Está de bem com a vida. Ou melhor, como dizem os americanos, é maior do que a vida. Ele adora combater o crime e jamais questiona seus métodos e propósitos. Dane-se se o resto do mundo não concorda.
Se há discussão e polêmica quanto aos méritos e motivações do Batman, Miller as projeta para fora da personagem. É a própria população perplexa, por meio da televisão, que discute e tenta explicar o fenômeno.
Não quero dizer com isso que a mini-série esqueça a temática psicológica. Miller apenas não se vale dela como muleta. A angústia está presente, mas apenas nas primeiras páginas para provar que Bruce Wayne é um ser sem existência própria. Ele é retratado como um homem atormentado, escondendo-se atrás da bebida e de uma vida de excessos. No entanto, quando cede lugar definitivamente ao Batman, toda e qualquer dor psíquica desaparece. Nas páginas restantes da mini-série, não se vê uma gota sequer de reticência, sentimento de culpa, dúvida moral e outros ingredientes tão comuns na galeria infindável de heróis “humanos”.
Todo roteirista que, inspirado em Miller, decidiu seguir por esse caminho se deu bem. Uma das fases mais agradáveis de Batman em Detective Comics foram as primeiras histórias de Alan Grant e Norm Breyfogle. Nelas, a trama se fundamenta nas proezas da personagem, não nos seus dramas pessoais. Outro exemplo de bom resultado são os desenhos animados do herói de Paul Dini e Bruce Timm. A tônica da série está na ação e no clima sombrio. Os psicologismos têm apenas papel secundário.
Quanto ao Super-Homem ser um covarde que se vendeu à Casa Branca e ao Pentágono, o equívoco é ainda maior. Na verdade, é o Batman que pensa assim. E nós, leitores, sugestionáveis que somos, deixamo-nos levar pelas mesmas idéias. Entretanto, apesar do Homem-Morcego acreditar que está sempre certo, não vamos nos iludir achando que ele realmente tenha razão o tempo todo. Para um homem que, através do combate ao crime, tenta forçar o mundo a fazer sentido, é de se esperar que a atitude do Homem de Aço pareça desprezível e covarde.
Eu prefiro pensar que a postura do Homem de Aço tenham realmente a ver com o medo, mas não aquele que brota da covardia e da falta de caráter e sim do temor respeitoso e prudente que se deve ter por uma força reconhecidamente superior. E que força seria essa capaz de atemorizar o ser mais poderoso da Terra&qt& Miller responde a essa pergunta durante toda a sua mini-série. É do próprio ser humano que Super-Homem tem medo, ou antes, da sua insensatez, da sua intolerância e da ameaça que representa a si mesmo e ao ambiente.
Clark reconhece e respeita o potencial autodestrutivo da humanidade. Afinal, não somos capazes de destruir a Terra várias vezes&qt& (Como se uma não bastasse). Daí sua “obediência” ao governo. Não porque acredite em propostas deste ou porque teme por si mesmo, mas por crer, tão intensamente quanto Batman em seu próprio ponto de vista, que, ao se tornar uma “arma secreta” do governo americano, estaria prevenindo uma desgraça maior. Espera que, agindo assim, proteja a humanidade de si mesma.
Alan Moore parece concordar com o Super-Homem quanto a essa ameaça. Em Watchmen, somos levados a crer, a princípio, que o onipotente Dr. Manhattan tem pleno controle da geopolítica mundial, neutralizando risco de autodestruição nuclear do homem. Com o progredir da trama, vemos que a superioridade de Manhattan é ilusória. Nem mesmo ele seria capaz de deter a beligerância humana.
A terceira edição de O cavaleiro das trevas vem provar que esse temor tinha sua razão de ser, mas a estratégia empregada por Super-Homem era equivocada. A explosão da superbomba atômica e o caos que se seguiu a ela não deixa dúvidas de seu erro. Por sua vez, Batman também havia se enganado. Nada que tenha feito durante toda a mini-série pôde impedir esse desenlace fatal.
Gosto de pensar - como o próprio Miller - que Super-Homem e Batman representam dois lados opostos no universo dos super-heróis, a Luz e asTrevas. Há uma patente diferença entre as posturas e estratégias de ambos. O irônico antagonismo entre esses dois heróis míticos é a maior riqueza da mini-série. Super-Homem, dotado da força de um semideus, respeita e teme a estupidez humana. Sua perspectiva é pessimista.
Por sua vez, Batman, desprovido de superpoderes, é incauto, passional e impulsivo, dispondo-se a arriscar tudo e todos. Otimista até o último momento, subestima o verdadeiro inimigo, desafiando-o sempre de peito aberto.
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